sexta-feira, 31 de julho de 2015

Obra da vida

E então já não sabia mais viver sozinha... 
Em espaços completamente seus, insistia em colocar um pensamento alheio...

Os mares passaram a ter cheiro de água.
Quis então sentir cheiro de gente no mar...
Passou a procurar um cheiro insuportável de vida...
Um gosto de vento na pele.

Por vezes parecia mais quente e acolhedor do lado de dentro.
Mas Por fora o frescor dos dias dava tapas de liberdade na cara...

Precisava de silêncio...  Sua mente agitada gritava,  indicava várias direções. 
 E ela pedia paz, silêncio, verdade, simplicidade.  
Queria apenas se encontrar. 
Ser o que o mais profundo do seu ser pudesse ordenar com palavras doces.
Passeando por dentro de si, encontrava de tudo.
 Já não sabia de fato o que lhe dava prazer...

Sentada em sua sala olhou para a estante.  Viu diversos registros da sua paixão pela escultura. 
Pequenos bonecos de argila, feitos a mão sem nenhuma técnica ou precisão. 
Belas esculturas em cerâmica, representando cidades, povoados e nações.  
Caixas e mais caixas de Mármore de Carrara para reproduzir com riqueza de detalhes as mais perfeitas edificações.  
E tinta... muita tinta. 
Possuía tinta de todas as cores, diversas texturas. Equipamentos de corte,  lixas, moldes,  pedaços de pano, papel, plástico e isopor. 
Uma seção apenas para massa de modelar, e outra com objetivos adquiridos de outros escultores.
Sempre mantivera tudo organizado em suas prateleiras. Sentava-se em seu belo sofá de pena de gansos do dia, lia um pouco de vida, da sua ou de outro sabor... 
Admirava sua estante para entender algum tipo de conceito em sua arte e punha-se a desenhar, recortar, pintar, colar...
Possuia ao alcance dos dedos todas as cores e equipamentos.
Por vezes machucou -se construindo belas edificações. 
 Mas o prazer da construção amenizava sua dor.
Convidava vez ou outra amigos para pequenas exposições. 
Cada um dava a sua opinião, discursava a cerca de sua conceituação, explicavam, perguntavam, anotavam, classificavam, entendiam ou não. 
Mas de fato sua obra não tinha conceito... Apenas sentava-se no silêncio,  quando era possível encontrar. 
Fechava os olhos e flutuava em sua alma. 
Em outros dias, pintava quadros no meio do furacão.  
Tinha a esperança de que a tinta na tela a mantivesse longe do chão. 
Cantava em palcos escondidos,  sentava no chão e tocava seu violão. 
 Abria se novamente para a exposição. 
Não tinha apego a arte... Não tinha apego... Não tinha... Não...
Não queria saber... Mas o saber a procurava...
Em meio ao saber apenas amarras e caos.
Queria apenas voltar a si... pegar seus alfarrábios,  sentar se no chão,  ligar a música do tempo, dormir no silêncio e acordar com uma nova canção.