terça-feira, 28 de julho de 2015

Terra Natal

Tudo estava acomodado.
As folhas das árvores agitavam-se suavemente.
Eventualmente o mato seco no chão, com o contato do sol forte causava um incêndio,  logo resolvido.
Vivia- se em  harmonia, e em alguns momentos em uma calmaria até um pouco angustiante para quem gosta de aventuras.
A muito aquela colônia procurava um lugar tranquilo para se firmar e fazer morada.
Depois de tantas guerras, tantas aventuras vividas, até mesmo os grandes exploradores buscam um porto seguro.
E por muitos anos nada abalou aquela nação.
Não que se fosse  claramente percebido ...
Alguns terremotos e vendavais fizeram pequenas fissuras no solo, praticamente imperceptíveis a olhos inexperientes ...
Cada um naquela tribo possuía um poder diferente.
Ela, o Dom da Didática e da Premonição.
Sempre avistava ao longe os Sinais de tempestade e as possíveis soluções para a reconstrução do solo.
Possuía uma metodologia extremamente organizada, e apesar de muitas vezes parecer louca e desvairada, sempre sabia onde estavam suas anotações no meio do caos.

Em uma noite escura, saiu para mais um de seus passeios...
Distraída, tropeçou em um buraco. Como  Alice,  no País das Maravilhas, teve dúvidas se o buraco era muito profundo,  ou se ela caia muito lentamente...
Toda aquela sensação a arrebatava de uma maneira sem igual.
Se via envolta em um turbilhão de emoções,  por vezes descontroladas, pois não estavam listadas em seus manuscritos premonitórios...
Sentia um misto de desejo, medo, angústia e excitação...
Poft! Caiu então na Terra desconhecida...
Talvez Tenha se lançado, talvez escorregado...
Isso nunca se soube dizer...
Mas foi aí o início da aventura.

Viu diante de seus olhos um mundo novo, fascinante e completamente desconhecido.
Duelando entre si o medo e o desejo...
Se encantou por aquele mundo, mas sempre com a lembrança de sua Terra Natal.
Encontrou Rios Coloridos, Cachoeiras Cintilantes,  mares nunca vistos ou imaginados antes.
Tudo naquela Terra a fascinava. O vento batia quente e tinha o poder de ultrapassar a pele e chegar ao mais profundo do coração.
A água tinha um sabor frutado,  se moldava a boca e fazia um carinho gostoso no corpo a cada gole.

Apesar de todas as delícias e aventuras que vivia, sempre se lembrava da Paz e da tranquilidade de sua Terra Natal.
Um contraponto antagônico entre culpa,  prazer e saudade.
Sabia de onde viera, mas ha muito já não se encontrava em Si.  Não se olhava mais, e como não haviam desafios a serem vencidos, já não se exercitava com tanta frequência,  perdendo um pouco de sua forma  original.
Estando fora de casa, precisou se reconhecer novamente.
Mergulhou em Si mesma...

"Era tão profundo,  que se olhasse de longe parecia escuro...
Toda aquela imensidão de  sentimentos, de vivências...
aquela pluralidade de cores...
Tudo a assustava...
E parecia um pouco louco...
Um pouco desordenado...
O mistério a fascinava...
E ia transformando- se em desejo...
Desejo este, que a fazia ansiar por ver de perto o que havia além daquela escuridão inquietante...
Quanto mais se aproximava...
Sentia que o que parecia escuro, trazia a paz de milhões de anjos conversando...
E o silêncio de suspiros de fadas dormindo...
A medida que o medo diminuía e ela descia as escadas...
Via que o que antes parecia desordenado...
Era na verdade milimetricamente organizado em prateleiras numeradas,  nomeadas e coloridas...
A escuridão se mostrava o avesso...
Em um Universo infinito de sons, imagens,sensações, impressões e elocubrações...


Em meio aquele misto de descobertas,  prazer e medo, sentiu saudades de sua Terra Natal.
E sem se dar conta, mais uma vez caiu em outro buraco...
Este porém lhe parecia diferente e familiar ao mesmo tempo.
Parecia estar de volta ao seu antigo lar. Mas este lhe soava deveras desconhecido.
As frutas,  outrora doces como o mel, lhes causavam vez ou outra um sabor amargo, apesar da aparência vistosa.
As águas que antes lhe matavam a sede, agora só a faziam lembrar que já conhecera uma que lhe fazia afagos no corpo ao longo do caminho digestivo.

Aquele mundo que um dia fora colorido, agora se parecia cinza e sem graça.
E a lembrança daquela Terra desconhecida a atormentava fortemente e tomava seu coração.
Cada fruta mordida tinha sabor de saudade. As paisagens se pareciam levemente incompletas...
Depois de ver aquele mundo mágico,  não conseguia mais viver longe daquele lugar...
Decidiu então que deixaria tudo para trás. E iria em busca do Seu Paraíso Perdido.

Encheu o peito de esperança,  o coração de coragem,a mente de estratégias e se abriu para viver a busca desse lugar mágico.

Entrou em tocas, cavou buracos, mergulhou em mares profundos, procurando reencontrar aquele lugar.
Desenhou canções de amor, versos de dor...
Escancarou seu mundo, na esperança de que um mundo novo pudesse entrar...
Esperou... Esperou... Esperou...
Em alguns momentos sentia que pequenas frechas se abriam de onde ela podia avistar ao longe algo que parecia ser o seu Paraíso Perdido.
Mas logo elas se fechavam e desapareciam como miragens no deserto.
Em uma noite, viu um buraco tão grande que teve certeza que era o momento de se lançar.
Abriu mão de seus cálculos,  de seus medos... E  sem pensar saltou...  Com tanta força que o impacto no chão vazio abriu novamente sua cabeça...
Não havia buraco algum...

Aos poucos ela foi acordando do golpe e se viu de volta à sua Terra Natal...
Fôra resgatada para Um lugar cheio de amor, onde ela não precisava de armas ou truques mágicos...
Onde sua escuridão era vista como profundidade...
Onde seus medos eram vistos como humanidade...
A tribo a recebeu de braços abertos com coroas e louros da vitória...
O Paraíso Perdido continua em seu coração como a lembrança de uma linda aventura. Ela rega seus pensamentos e deseja constantemente que aquela conexão permaneça latejando.
Esforça-se para se lembrar e nunca mais esquecer que o mundo  que ela busca está dentro do mais sincero do seu ser...
De volta à seu porto seguro, ela recomeça a construção de um novo lar... Com lagos coloridos,  campos verdejantes, passáros livres e mares abertos a serem descobertos...