quinta-feira, 30 de julho de 2015

Lilás

Ela então acorrentou -se a uma única cor.
Apenas o mesmo tom a interessava.
Certo dia passando por um sonho, encontrou Lilás.  Sentiu um tom púrpura sacudindo os cantos arredondados de sua alma e produzindo pequenas arestas pontiagudas.
Sua alma anteriormente circular mudara de forma no mesmo instante. Passou a contemplar seus traços, e a conversar com pigmentos arroxeados.

Seu coração pintou -se de Lilás,  seus olhos deletaram qualquer outro espectro multi color.
Ofereceram-na um pouco de amarelo em um café da manhã com sol nascente. Balançou levemente a cabeça, levando as orelhas para leste e oeste em um suave movimento negativo. Informou que após conhecer os tons de Lilás,  nehuma outra cor lhe interessaria.
Pintou inicialmente sua sala de púrpura. Comprou um óculos de lentes roxas e não saia mais de casa sem aquela tonalidade no olhar.
As pessoas já não tinham cores, nem raças definidas. Todos possuiam o mesmo tom violeta.
Apaixonou-se por Djavan, e  este passou a figurar constantemente sua playlist.
A obsessão por Lilás foi aumentando.
Certo dia,  em um passeio noturno com seu carro,  antes prata,  agora fruta cor e uva,  ultrapassou loucamente um sinal vermelho. Sofreu um acidente que a paralizou por anos. Perguntaram -na se ela não havia visto a cor berrante do vermelho flamejante que disparara fortemente do sinal de trânsito.
Ela respondeu prontamente que aos seus olhos o mesmo parecia Lilás.
Não conseguia destinguir a diferença entre verde e vermelho,  pois aos seus olhos apenas os tons violeta intenso prevaleciam.

Tentaram convencê-la que as outras cores também possuiam seus encantos. Mas ela irredutível não queria sequer vislumbrar outras possibilidades.  Relutava,não respondia,  e afirmava de forma veemente que apenas o Lilás a interessava e dominava seus sentidos.
Separou -se dos amigos. Evitava sair de manhã, para não ser ofuscada pelo amarelo ouro do sol.
Tinha dificuldades para se alimentar. A Mãe Natureza em um erro cruel, privou o mundo de uma gama maior de alimentos arroxeadas.
Seu cardápio era composto por uvas rosê,  repolho roxo, refogado com alho e cebola do mesmo tom,  largos pedaços de beterraba com salada de berinjela e altas doses de vinho tinto.
Privou -se do sabor doce da aurora,  dos tons pasteis da leveza, do rosa chá do carinho ,  das aventuras da amizade colorida.
Deixou de viver o vermelho fogo da paixão, impedindo até a sua transmutação em vermelho sangue do amor.
O tons infinitos da arte, apenas passavam levemente sob seus olhos,  causando um temeroso interesse,  logo desfeito,  por não se tratar da tonalidade desejada.
Fechou os olhos para o mundo. E decidu trancar-se em seu quarto,  com seus óculos de néon  e paredes patinadas com texturas de rubi e violeta madrugada.
Deixou de sorrir ao ver a gaivota voar no céu azul de Outono, não viu as cores mágicas que pintavam o crepúsculo do verão.
Deixou de sentir o azul gelado do vento,  o cinza  chumbo dos dias de inverno,  o dourado brilhante do sol de dezembro.  Os tons de vermelho do natal, as cores em festa do carnaval, o branco prateado do réveillon, e tantas outras cores inebriantes que puxam as pupilas dos globos oculáres ...
De tanto olhar para o Lilás,  perdeu outras cores da vida, e morreu na saudade do beijo.