Seus olhos estavam tomados de escuridão.
Sim, eles se amavam, mas a cegueira lhes impedira de continuar.
Desde pequena, ela queria enxergar. Já via mais longe que seus semelhantes, o que lhe causava uma sensação inquietante.
Se entregara a gestos mudos, para cegos verem.
Toda expressão que carregava nos olhos, ela derramava no corpo.
Lançava-se em movimentos milimetricamente não calculados.
Seu corpo dizia o que os olhos não podiam ver, e a boca tão pouco proferir.
Movia-se como louca, para se libertar da prisão de não ser como os seus.
Quem podia ler seus movimentos, encantava-se. Levaram-na até o cume de uma colina, mas o medo a impediu de voar.
De volta ao solo, fora recebida pelos seus, com vendas para os olhos, tampões de ouvido e rédeas nas mãos.
Fora então coroada com seus antolhos cor de carne, mordaças com dispositivos transformadores de fala, e seus protetores auriculares com sons de caos.
Um dia, ainda menina, enfeitara-se toda para esperar por um sorriso.
Alongou os lábios, franziu levemente os olhos, acendeu a luz de dentro, de modo que fizesse refletir em seus faróis de visão.
Ajeitou os cabelos, abotoou o coração, pôs suas melhores galochas, e esperou... Esperou... Esperou...
A bateria de seu brilho foi diminuindo, a boca larga se encolhendo, o cabelo encrispando, o coração desabotoando, as belas galochas enchendo-se de água e sal.
Passou a acreditar que o sorriso não existia. Devia ser mais uns dos personagens dos contos que ouvira na escola.
Guardou o seu ( sorriso) no bolso, recolocou seus antolhos e seguiu.
Com a falta de luz e a vida acorrentada, gritava, esperneava, e assim chamava a atenção dos que não podiam vê-la.
Acostumada a penumbra, passou a andar de olhos fechados. Abria -os de leve apenas para realizar algum mandado dos que secretamente sabiam que ela podia ver.
Sentia -se obrigada a realizar todos pedidos, pois fora agraciada, ou amaldiçoada pelo Dom da visão, que os seus não possuiam.
Decidiu guardar os olhos, o sorriso e não mais equalizar o tom da voz.
Já que todos gritavam e se debatiam, entendeu que está era a forma de comunicação, e aceitou passivamente.
Seguiu com olhos no bolso, buracos na face e o coração na mão.
Dedicava-se a cuidar dos que amava, carregava seu coração em uma mala, pois o mesmo já não cabia em si.
Seus olhos, só colocava rapidamente para resolver alguma tarefa, depois os escondia correndo, com medo que outros descobrissem que ela podia enchergar e lhes passassem mais tarefas extenuantes.
Estava acostumada a ser chicoteada com fios de manipulação sentimental.
Guardou -se, escondeu-se, protegeu-se tanto, que se perdeu secretamente de si.