terça-feira, 28 de julho de 2015

Menina dos Olhos - Parte I


Seus olhos estavam tomados de escuridão.
Sim,  eles se amavam, mas a cegueira lhes impedira de continuar.

Desde pequena, ela queria enxergar. Já via mais longe que seus semelhantes, o que lhe causava uma sensação inquietante.

Se entregara a gestos mudos,  para cegos verem.
Toda expressão que  carregava nos olhos, ela derramava no corpo.
Lançava-se em movimentos milimetricamente não calculados.
Seu corpo dizia o que os olhos não podiam ver, e a boca tão pouco proferir.
Movia-se como louca,  para se libertar da prisão de não ser como os seus.

Quem podia ler seus movimentos,  encantava-se.  Levaram-na até o cume de uma colina,  mas o medo a impediu de voar.
De volta ao solo,  fora recebida pelos seus, com vendas para os olhos, tampões de ouvido e rédeas nas mãos.

Fora então coroada com seus antolhos cor de carne,  mordaças com dispositivos transformadores de fala,  e seus protetores auriculares com sons de caos.

Um dia, ainda menina, enfeitara-se toda para esperar por  um sorriso.
Alongou os lábios, franziu levemente os olhos, acendeu a luz de dentro,  de modo que fizesse refletir em seus faróis de visão.
Ajeitou os cabelos,  abotoou o coração,  pôs suas melhores galochas, e esperou... Esperou... Esperou...
A bateria de seu brilho foi diminuindo,  a boca larga se encolhendo, o cabelo encrispando,  o coração desabotoando, as belas galochas enchendo-se de água e sal.

Passou a acreditar que o sorriso não existia. Devia ser mais uns dos personagens dos contos que ouvira na escola.
Guardou o seu ( sorriso) no bolso, recolocou seus antolhos e seguiu.

Com a falta de luz e a vida acorrentada, gritava,  esperneava,  e assim chamava a atenção dos que não podiam vê-la.
Acostumada a penumbra, passou a andar de olhos fechados. Abria -os de leve apenas para realizar algum mandado dos que secretamente sabiam que ela podia ver.
Sentia -se obrigada a realizar todos pedidos, pois fora agraciada,  ou amaldiçoada pelo Dom da visão,  que os seus não possuiam.
Decidiu guardar os olhos,  o sorriso e não mais equalizar o tom da voz.

Já que todos gritavam e se debatiam, entendeu que está era a forma de comunicação,  e aceitou passivamente.

Seguiu com olhos no bolso, buracos na face e o coração na mão.

Dedicava-se a cuidar dos que amava,  carregava seu  coração em uma mala,  pois o mesmo já não cabia em si.
Seus olhos, só colocava rapidamente para resolver alguma tarefa,  depois os escondia correndo,  com medo que outros descobrissem que ela podia enchergar e lhes passassem mais tarefas extenuantes.
Estava acostumada a ser chicoteada com fios de manipulação sentimental.
Guardou -se,  escondeu-se,  protegeu-se tanto, que se perdeu secretamente de si.