Ele andava por ai... Pés descalços , cascudos,
cheios de cicatrizes e machucados feitos pelas pedras do caminho ...
cabelos emaranhados, aquela velha roupa um dia vistosa, agora rota e
encardida, pequenos furos surgidos com o tempo, uso e desgaste.
Uma marca
de suor aqui, um fio puxado ali, alguns vincos, manchas, marcas de caneta, um
queimado de cigarro...
Em dias de
festa , punha seu melhor sorriso, escovava bem os dentes, gargarejava
enxaguante bucal, uma bela maquiagem nos olhos, casaco cor de fogo abotoado até
o nó que lhe apertava a garganta.
Engolia a
seco, molhado ou do jeito que vinha.
Possuía um
vidro de pimenta no bolso , e tudo lhes parecia mais saboroso.
Não saia
jamais sem os óculos com vista para seu mundo colorido. Salvo vez ou outra
, que o mesmo era esquecido em cima das notas do piano de cauda marrom...
Nesses dias
, não entendia o mundo, as pessoas, as cores acinzentadas ou em tons
pasteis.
Um
liquido agridoce escorria de seus olhos , tentando limpar aquela cor embaçada,
aquele gosto amargo da boca, um tom gelado na guela, um som rascante no peito,
uma prisão ao respirar, uma falta de ar, de par, de lar, de imensidão do mar...
Um excesso
de incompreensão, de silêncio, de falta de respeito, de medo, de
angústia, de mentiras, de descaso, de egoísmo, de falsidade, de sorrisos
amarelos, um cheiro verde de gosma, um tom acobreado de passado, um som
estridente de guerra, um cheiro de ódio, disputa , magoa, terror...
E sua capa
de super herói, aposentada de um lado, seus olhos fechados por dentro,
choravam com as mãos no rosto.
Carrapetas
desgastadas pelo tempo, pelo vento, pelo excesso de uso... Comportas
arrebentadas pela quantidade de água rolada, pela força dos ventos...
E as
lágrimas , já vinham sem controle, sem pedir licença, lavando a cara, o
corpo, a alma...A carne marcada, o sorriso enjaulado, o coração vazio e lotado
por dentro, apertado de tanto sentimento com pouco uso.
E como um
maremoto sangüíneo , o sangue forçava a pele, que gritava , alongava, e
no fim... continha...
Ele ,
respirava com força, se apoiava na mesinha de cabeceira ao lado da cama,
...caminhava até o espelho, se olhava fundo nos olhos ainda vermelhos e úmidos,
ouvia , e sentia os soluços que doiam no fundo da garganta...
Passava as
mãos pelos cabelos desalinhados... Abotoava seu olhar de caça... Pendurava as
sobrancelhas um pouco mais alto... Batia 3 socos no peito , feito um
orangotango em tempos de acasalamento...
Alargava as
costas, erguia a cabeça, amarrava a ponta dos lábios nas orelhas, punha suas lentes
de contato pessoal, guardava aquele que pulsava, em outra caixa no bolso
interno do casaco...
E saia ,
sem ser notado por dentro, desfilando, a
rasa imagem de fora.